Ateliê de Artistas
Texto crítico: Carluz
A mostra Ateliê de Artistas apresenta o trabalho de dezoito artistas com um conjunto de 75 obras produzidas durante os processos de pesquisa e criação desenvolvidos no programa “Ateliê de Artista”, promovido pelo Estúdio Extraordinário e mediado por Raquel Fayad. As obras, que abrangem esculturas, pinturas, fotografias e instalações audiovisuais, revelam o percurso íntimo e criativo dos participantes, destacando a riqueza de suas trajetórias artísticas. A exposição acontece no Espaço Cultural Almeida Júnior, em Itu, interior de São Paulo, e convida o público a mergulhar na pluralidade de linguagens que emitem os diálogos entre o individual e o coletivo.
Entre os participantes estão: Adriana Moreira, Ana Maria Reis, Bella Tozini, Cláudia Madella, Flávia Gardiman, GIL, Guilherme Kramer, Gustavo Salvatore, Iza Figueiredo, Jerri Rossato Lima, Luciana Colesanti, Marcelo Brissac, Márcia Nunes, Pola Fernandez, Raquel Fayad, Rodolpho Rodrigues, Silvana Sarti e Tereza Regina Leme. Cada obra reflete não apenas as narrativas pessoais dos artistas, mas também as conexões condicionais ao longo do programa, culminando em uma mostra que celebra o processo criativo compartilhado e os resultados alcançados por meio da colaboração e experimentação artística.
Segundo a mediadora a importância da construção de conhecimento e troca de experiências resultam nesta mostra - elaborada a partir da curadoria coletiva do grupo - que apresenta os meios e processos alcançados a partir da individualidade apresentada ao coletivo.
Adriana Moreira apresenta fragmentos de seu sketchbook (Caderninho Mágico - 2024) que demonstram o processo íntimo-pesquisador da artista refletido em traços e cores associadas às suas vivências criativas, embarcadas em uma nau que reflete sua trajetória. Historicamente, o conceito de processo criativo tem se modificado à medida que as práticas artísticas evoluíram. Na Renascença, por exemplo, artistas como Leonardo da Vinci utilizaram seus cadernos de esboços não apenas para registrar suas dúvidas, mas para experimentar ideias e explorar suas próprias dúvidas criativas. Esses cadernos, são mais do que simples registros; tornam-se espaços de aprendizagem e reflexão.
Ana Maria Reis apresenta a série “Regime Climático” (2024) que reflete discussões das ações humanas sob seu habitat. Os relevos, traços e cores de aspecto brusco chocam-se à realidade enfrentada nas últimas décadas, traçando um caminho sem volta; ‘despedaços’, que criam um trajeto exponencial de impacto e ressonância com as xilogravuras apresentadas pelo artista Gustavo Salvatore, linhas que traçam tempo-espaço e ganham o ritmo esculpido entre caminhos estampados na série à mostra.
Entre a natureza ‘quase-viva'’ Cláudia Madella exibe a série “Bugios: O grito da floresta” (2024), uma comunidade com riscos de extinção, pertencem ao processo de pesquisa da artista e bióloga que manifesta o ato de preservação ambiental através da arte.
Bella Tozzini atravessa o Espaço Cultural Almeida Júnior com um recorte da série “Corpes Dissidentes” (2019 - ), fotografias estampadas em tecido adornam o espaço criando um manifesto existencial a partir da obra “Tayan Ferreira” (2024), o corpo transmasculino dança ao ritmo "Bazulaque Regional” (1998), de Marcelo Brissac, composição que atravessa corpos(es/as) criando sensações atípicas e perfurantes que se escancara e debruça sobre a realidade.
Luciana Colesanti percorre entre caminhos e montanhas, uma viagem entre as barreiras que a vida nos apresenta, mas que discorre as dimensões de qual percurso encarar; mesmo que longínquos, sempre terminam no ponto de encontro entre o eu-tu-ele, conjugados no processo da vida.
Pola Fernandez revisita sua origem a partir de fotografias intervencionadas. O azul costura seus caminhos e que desdobra-se sobre o papel, dançando entre os relevos e contando histórias.
O universo mítico apresentado por GIL interage com o público através de esculturas que personificam ancestralidade, história e conhecimento. Guilherme Kramer em “Aldeia” (2022) apresenta figuras humanas, elementais e animais que transbordam a moldura e redimensiona o cenário. Assim como Márcia Nunes - em sua série de obras naif - cria uma festa de cores e fantasias num espaço de aconchego e memória.
Iza Figueiredo cria tridimensionalidade a partir de aquarelas recortadas, um mapa que explora formas e formatos, micros e macros, e atravessa o imaginário coletivo.
Jerri Rossato Lima e a série “Desver” (2019-2024) criam movimentos cotidianos que despertam o trânsito da vida e a atemporalidade dos conceitos de presença e ausência. Trajeto também percorrido por Flávia Gardiman que captura fragmentos da rotina e espelha o afago da natureza que vemos no dia a dia.
Raquel Fayad apresenta raízes que performam no espaço. Seus formatos distintos nos levam a acreditar que não são apenas raízes. Talvez, não sejam! Elas observam o público que as olham e devoram quem acha que não as merece.
Silvana Sarti explora o poder feminino em transmutação através de formas e cores que vibram o ‘Reflorescer' manifestado pela mulher-natureza - figura que gera em seu ventre os princípios de vivência e sobrevivência.
Rodolpho Rodrigues e Tereza Regina Leme, por fim, derramam emoções traduzidas pelas cores fortes e pela suavidade da aquarela em suas obras. Um diálogo entre obras distintas despertam a particularidade dos artistas, por um lado Tereza com a forte memória das vivências pessoais e interpessoais e do outro, Rodolpho com a sutileza do olhar para o outro, refletidos no próprio eu.
A pluralidade das linguagens apresentadas na exposição também remete ao conceito de hibridismo cultural, como proposto por Homi K. Bhabha (The Location of Culture, 1994), que sugere que a arte contemporânea é um espaço de negociação entre diferentes culturas e práticas. Ao reunir diversas formas de expressão, como escultura, fotografia e instalação, a mostra se torna um reflexo dessa fusão de influências e identidades. Através da experimentação artística, o programa Ateliê de Artista permitiu aos participantes transcender as fronteiras das linguagens tradicionais, criando uma experiência artística dinâmica e multifacetada.
Além disso, a mediação de Fayad desempenha um papel crucial nesse processo, provocando o protagonismo coletivo e relacionando as figuras do artista-mediador e mediador-artista que constroem criticidade e a utilizam como pólo difusor do fazer artístico.
Como apontado por Anne Cauquelin (A Arte da Mediação, 1999) em suas discussões sobre mediação cultural, o papel do mediador é essencial não apenas para contextualizar as obras, mas para proporcionar novas formas de interpretação e interação com o público. A curadoria coletiva do grupo, que resultou na composição dessa mostra, é um exemplo claro de como a mediação pode transformar a experiência artística, criando uma ponte entre os diferentes assuntos envolvidos na criação e a comunidade que interage com a arte.
A mostra coletiva Ateliê de Artistas é uma celebração do processo criativo como algo dinâmico, colaborativo e contínuo. A arte, nesse contexto, não se limita ao produto final, mas se expande no caminho percorrido, nos erros e acertos, nas trocas e experimentações. As obras apresentadas não são apenas testemunhos individuais, mas reflexos de um movimento coletivo que ressignifica o papel da arte na sociedade contemporânea, convidando o público a se envolver não apenas com os resultados finais, mas com os processos e histórias que levaram à sua criação.
* Carluz é historiador e arte-educador, baseado em Itu/SP
Encontros extraordinários
Por André Roedel*
O trajeto casa-trabalho-casa diariamente reserva algumas belezas diárias, como flores, folhas e pores do sol que só Itu tem. Mas, de um tempo pra cá, ganhou um novo cenário: o Estúdio Extraordinário, uma passagem secreta para um mundo em que a arte toma conta. Mantido pela incrível artista visual Raquel Fayad, a quem conheci em uma das diversas reportagens que já fiz, o local virou o ponto de encontro de pessoas que estão fazendo a cena cultural da cidade reluzir.
Já perdi as contas de quantas vezes passei em frente ao estúdio e vi, pela janela, Raquel debruçada (às vezes literalmente!) em seus inúmeros projetos (ela não para!). De vez em quando ela retribui o olhar e me convida para adentrar o espaço. O que era apenas mais um retorno para casa logo se torna uma conversa de horas sobre arte e, principalmente, a vida…
Raquel tem esse dom. Qualquer encontro com ela se torna extraordinário. O dicionário diz que a palavra “extraordinário” significa “o que foge do usual ou do previsto; fora do comum”. E é isso que o Estúdio Extraordinário se propõe desde sempre. Mantendo o espírito de Hugo Curti sempre presente, Raquel se tornou a “cola” que a cena artística da cidade precisava.
Através do “Ateliê de Artistas”, ela reuniu uma verdadeira gama de talentos que resultou na efervescência cultural que Itu respira hoje. Gente daqui e de outras bandas que estão mudando a forma como o ituano vê a arte. Agora, esse programa que fui acompanhando ao longo dos últimos meses, se transformou numa exposição em um local também extraordinário: o Espaço Cultural Almeida Júnior, recém-revitalizado e que leva o nome do ituano que mostrou que a cidade sempre teve vocação artística.
Como bem disse Ferreira Gullar, a arte existe porque a vida não basta. Que esses meus queridos artistas que se tornaram amigos que o Universo me deu - como Raquel Fayad e tantos outros - continuem dando mais sentido a esse mundo, nos brindando com suas expressões artísticas únicas e extraordinárias.
*André Roedel é jornalista e chefe de redação do Jornal Periscópio.
Abriu dia 13 de dezembro, às 19h, a exposição “Ateliê de Artistas”, no Espaço Cultural Almeida Jr., em Itu, com curadoria coletiva. A exposição ficará aberta até dia 16 de fevereiro de 2025.
Adriana Moreira, Ana Maria Reis, Bella Tozini, Cláudia Madella, Flávia Gardiman, GIL, Guilherme Kramer, Gustavo Salvatore, Iza Figueiredo, Jerri Rossato Lima, Luciana Colesanti, Marcelo Brissac, Márcia Nunes, Pola Fernandez, Raquel Fayad, Rodolpho Rodrigues, Silvana Sarti e Tereza Regina Leme, mostram obras pertencentes ao processo de pesquisas e processos individuais que foram apresentadas nos encontros do programa "Ateliê de Artista" durante o período de um ano.
O programa "Ateliê de Artistas" é um programa do Estúdio Extraordinário, onde os encontros são mediados pela artista visual e gestora cultural, Raquel Fayad. A mostra contempla os trabalhos e conexões colaborativas que geraram a narrativa pessoal e coletiva dos artistas participantes, agora desdobrados entre as salas do Espaço Cultural Almeida Jr. que divulga os resultados alcançados no processo criativo fomentado pelos encontros
Curadoria Coletiva:
Ateliê de Artista
Texto Crítico
Carluz
Crônica
André Roedel
Divulgação e Marketing digital
Sara Zizuino
Realização
Estúdio Extraordinário
Produção
Estúdio Extraordinário
Artistas do programa Ateliê de Artistas
Abertura:
13 de dezembro de 2024
Às 19h
Visitação:
Segunda a sexta-feira, das 08h às 17h
Local:
Espaço Cultural Almeida Jr.
Rua Paula Souza, 664, Centro, Itu/SP