SUSTENTAR O EFÊMERO
O Grupo Rosa Choque e o Estúdio Extraordinário apresentam a Exposição Sustentar o Efêmero
Curadoria de Juliana Monachesi e Thais Rivitti
Sustentar o Efêmero
Eliane Gallo, Gersony Silva, Gessica Morais, Luciana Boaventura, Ninetta Rabner, Raquel Fayad, Rosa Grizzo e Shirley Cipullo, do Grupo Rosa Choque, elaboram em suas obras a ideia, algo contraditória, de sustentar o efêmero. Entre permanências e mudanças, entre a afirmação de identidades e a dissolução do eu, entre o passado e o presente, seus trabalhos habitam um lugar instável.
A memória fugidia, a invisibilidade do trabalho das mulheres dentro e fora do campo das artes, as lutas por reconhecimento e contra a violência e a possibilidade de um exercício experimental num mundo dominado pela lógica da produtividade são algumas das recorrências desse conjunto de trabalhos, agora reunidos na mostra Sustentar o Efêmero.
Eliane Gallo cria instalações com tecido e tramas escultóricas, tirando dos contextos de funcionalidade ou finalidade o labor da tecelagem. Conformar materialidades a partir dos elementos têxteis e espacializar essas formas, conferir-lhes peso, espessura, corpo e extensão resulta, no processo da artista, em ambientes de cura e transformação.
Gersony Silva também propõe um espaço meditativo na obra desenvolvida para a exposição. Trata-se de uma instalação que evoca um corpo de mulher exaurindo-se à sombra das estatísticas de feminicídio e outros crimes de violência contra mulheres. Ao apagamento de histórias pessoais irrecuperáveis, ao incontornável desaparecimento de memórias e sonhos de cada uma das vítimas, Gersony Silva responde com um gesto de sororidade.
Gessica Morais apresenta em Sustentar o Efêmero quatro fotografias-manifesto que retratam mulheres empoderadas. As modelos são parentes ou amigas da artista, que ela dirige na cena, acolhe com a câmera, deixa à vontade para que interpretem a si mesmas nesse lugar que historicamente foi destinado a outros rostos, outros corpos. Gessica Morais confere protagonismo às mulheres negras nesse retrato sem retoque e sem concessão do Brasil.
Luciana Boaventura mostra um conjunto de obras, entre guaches e colagens, que plasmam experiências cotidianas em torno do ritual de tomar chá. O chá que as ancestrais recomendam para se acalmar ou curar uma cólica, o chá que se serve às visitas e em torno do qual a família se senta à tarde, no domingo. Os trabalhos são parte de uma longa investigação da artista com sachês de chá, aproveitando deles todos os recursos: o papel, o embrulho, a própria erva, tudo é matéria-prima de suas composições pictóricas.
Ninetta Rabner pesquisa os índices arquitetônicos da memória. Em suas pinturas, uma fachada evoca a casa de sua infância, um arco promove o encontro de espaços e tempos entre sua cidade natal e o município de Itu, um descampado repõe o vazio desconhecido aludindo ao oceano atravessado de navio quando criança, uma escadaria é metáfora para a condição de estrangeira. A artista expõe parte de seu processo na reprodução de seus desenhos, prática que informa toda a sua obra.
Raquel Fayad trata de ciclos e tempos espiralados em trabalhos que incorporam materiais orgânicos em sua constituição. Lascas e raízes de árvore encontradas na cidade são colecionadas pela artista, aguardando o momento de integrarem uma obra e, por fim, somando a esta o dado concreto da mutação constante da vida. Raquel Fayad expõe também uma pintura de sua série de figuras femininas, casulos e aranhas, que abordam o renascimento.
Rosa Grizzo apresenta um conjunto de trabalhos têxteis. Suas obras, via de regra, partem de peças usadas ou de fragmentos que delas restaram, como lenços, toalhas, panos de prato, ou mesmo roupas que carregam sua história pregressa. Esses tecidos são recompostos por meio de uma costura que sutura os rasgos, desgastes e esgarçamentos na trama e conferem uma nova presença que se soma ao uso anterior. São itens de uso cotidiano e do ambiente doméstico que conduzem um questionamento sobre as tarefas historicamente associadas ao universo feminino.
Shirley Cipullo mergulhou na pesquisa sobre a cidade de Itu, trazendo alguns elementos de sua poética artística, como a costura, o desenho e a escultura, para elaborar uma reflexão sobre esse território. A seleção de obras exposta traz, em seus materiais, a lembrança da cultura do açúcar na região de Itu e memórias dolorosas de um passado escravagista. Numa composição com vários elementos, podemos ver como a volta ao passado é um passo importante para a elaboração do futuro.
A consciência do tempo. O devir. Fins e recomeços… Como conceber a noção de identidade ao habitar o mundo das impermanências? As artistas de Sustentar o Efêmero, de modos diversos, lidam com as mudanças — internas e externas — imersas no fluxo inconstante da vida. Elas elaboram estratégias de sobrevivência, repensam sua própria existência, ativam memórias, atentam para um horizonte histórico, provocando idas e vindas do passado ao presente. Buscam posições possíveis.
O efêmero aparece como condição de estar no mundo. E a sustentação adquire inúmeros contornos: desde seu significado econômico, passando por assumir a prática artística socialmente menosprezada, até a afirmação de uma experiência singular, própria, e nem por isso fechada em si mesma.
Juliana Monachesi e Thais Rivitti
Novembro de 2024
A exposição está disponivel no Estúdio Extraordinário e no Centro de Estudos do Museu Republicano.
Curadoria: Juliana Monachesi e Thais Rivitti.
Produção e Montagem: Equipe EE
Cobertura e Fotografia: Bruna Fiamenghi e Jerri Rossato